Carta ao Menino Jesus
Meu Menino Jesus, imagino o teu espanto quando, deitado nas tuas palhinhas, vês as crianças preocupadas apenas com as prendas que rodeiam a árvore, onde brilham milhares de lâmpadas, sem sequer olharem para ti. Não conhecem a tua história, ninguém lhes disse que este é o teu aniversário e que estás deitado na manjedoura de um abrigo de pastores, porque ninguém quis dar guarida à tua mãe, quando chegou a hora de nasceres.
Acabaste por vir ao mundo num estábulo, ajudado pelo pai José e aquecido por uma vaca e o burro, que ali descansavam. Este acontecimento, retratado no presépio, revela como o Amor só encontra espaço na simplicidade e humildade, e sempre que nos despojamos de supérfluos ou adereços de circunstância.
Na tradição do nosso povo açoriano sempre tiveste o lugar central. Em muitas das nossas casas há quem ainda te faça um altar, decorado com as frutas da época, laranjas e tangerinas. Mais frequente é teres, à tua volta, pratinhos com ervilhaca e trigo, que trazem ao presépio uma vida verdejante. Assim se repete um gesto do passado, quando a terra era fonte de sobrevivência e, desta forma, se esperava que protegesses as culturas do ano seguinte.
Tu, Menino Jesus, és o mais importante desta festa, por isso, era de ti que se dizia que vinham as prendas, e era a ti que se pediam desejos. Mas foste rapidamente ultrapassado por uma figura vinda do mundo comercial, um velhinho de barbas brancas que, supostamente, fabrica brinquedos num lugar de fantasia e entra pelas chaminés, para encher a vida das crianças com objetos.
Mas voltemos ao lugar que sempre ocupaste nas famílias açorianas. Ficarás espantado com a pergunta, "o Menino mija?", mas é assim que os visitantes, familiares, amigos ou vizinhos, questionam o dono da casa, esperando provar os licores e as iguarias que, habitualmente, são postas na mesa durante esta quadra.
Este é um tempo bom, saboroso e quente, porque apetece estar com quem amamos e sentimos pena dos que não o podem fazer.
Nestes dias, dói saber que há famílias divididas, pais que não aceitam os filhos com dificuldades, porque tem uma orientação sexual diferente, estão presos a dependências ou desorientados na vida.
Nestes dias ficamos mais emotivos e gostaríamos de acabar com todas as dificuldades, sobretudo, as que afligem os mais pobres. Mas sabemos que essa emoção tem muito de "peso de consciência". Quem vive na pobreza não fica melhor por lhe darmos um cabaz ou uma qualquer esmola. No dia seguinte as agruras estão lá e até mais duras, porque tiveram a oportunidade de saborear um pouco de fartura.
Menino Jesus, seria bom poder tornar tudo mais fácil, libertar as pessoas do individualismo, que isola as famílias dentro de casas iluminadas, onde não há presépios.
Por isso, neste Natal, gostava que as crianças olhassem para ti e descobrissem a fraternidade, antes da competitividade; os pais vissem o presépio como exemplo de simplicidade, e o mundo, mesmo aquele que não acredita na tua mensagem, reconhecesse na Paz, a única plataforma de diálogo.
Menino Jesus, obrigada por (re)nasceres todos os anos e alimentares a esperança de que podemos fazer e ser diferentes, depois do Natal!
(texto publicado no Jornal Açoriano Oriental a 24 dez. 2019)