Limiar da pobreza
Nos Açores, um terço dos habitantes vive abaixo do limiar da pobreza. Um critério económico, baseado em 60% do rendimento mediano que, em 2017, equivalia a 5610 euros/ano em Portugal ou a 4510 euros se considerarmos, apenas, a Região Autónoma dos Açores.
Estamos perante um critério baseado na riqueza produzida por todos aqueles que trabalham, investem e consomem que, nos últimos anos, tem aumentado.
Mas, se a riqueza aumenta, como se explica o aumento do número daqueles que vivem abaixo do limiar da pobreza?
Contraditório, é certo, por ventura porque não existe um indicador económico que defina quando alguém ultrapassou o limiar da riqueza máxima.
Enquanto isso, os dados mostram-nos uma região desigual, onde os rendimentos estão concentrados e desigualmente distribuídos.
E essa é a razão, a causa, de muitas outras desigualdades, seja na educação, na saúde ou no acesso ao mercado de emprego.
De um lado, estão os que conhecemos, iguais nas condições de vida, com quem privamos no trabalho, na rua ou na vida comunitária. Do outro, todos os outros. Aqueles que empurramos para bairros periféricos, empregos precários, apoios materiais de ocasião, rótulos e estigmas.
Arrumamos a casa, separamos em gavetas o que queremos, do que não nos interessa. E, desta forma, sentimo-nos bem dentro deste contexto de aparente normalidade e sucesso.
Quando desviamos os holofotes deste círculo, retiramos da sombra, os que, supostamente, não produzem ou tem trabalhos precários e mal pagos; os que não reclamam e os que falharam o pagamento da renda, porque trabalham por um salário abaixo do mínimo; vivem longe dos centros urbanos e carregam diariamente dificuldades, tentando sobreviver e assegurar o bem-estar dos filhos.
Tudo fica tão diferente, quando o holofote se desvia do centro e aponta as periferias da nossa existência, mostrando os que vivem nas margens desta sociedade instalada, comodista, que descarta os problemas, engavetando e arquivando processos de difícil solução.
Como lidar com estas duas forças contrárias, a dos que desejam participar, mas que desistiram de lutar, e a pressão dos que vivem instalados e não querem ser incomodados?
Só há uma forma, reconhecendo que somos uma sociedade desigual. Desigual, porque as empresas preferem ignorar as dificuldades dos seus trabalhadores que, por exemplo, faltam por não terem quem cuide dos filhos doentes. Desigual, porque as escolas esperam que os alunos adiram a programas de recuperação, apesar do contexto familiar adverso em que vivem. Desigual, porque mulheres e homens não partilham a carga de trabalhos que a vida familiar implica, no cuidado aos mais novos ou aos mais velhos.
Quando formos capazes de reconhecer estas e outras desigualdades e tomarmos consciência de que, cada um, na família a que pertence, na empresa onde trabalha ou na rua onde mora, pode fazer a diferença, então, a inclusão das periferias poderá acontecer e, os outros, todos esses que estavam na sombra, passarão a ser ouvidos.
Cairão as máscaras, os vernizes, que escondem a realidade dos números e dos problemas, que não queremos que os outros vejam. E, a indiferença, consentida, dará lugar à intervenção, à cooperação e à solidariedade.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 21 janeiro 2020)