Incerteza
Não há sentimento mais destrutivo do que a incerteza.
Apesar de fazer parte do processo decisório, quando estamos perante várias hipóteses, mais do que uma solução ou caminho, a incerteza torna-se num bloqueio, quando nos impede de fazer escolhas.
Escolher é decidir e assumir o risco de falhar.
Se, no passado, não tivessem havido pessoas que correram riscos, hoje, não teríamos muitas das empresas, algumas centenárias, que fazem a economia crescer; nem conheceríamos soluções tecnológicas, com que nos habituamos a viver, do telefone ao analgésico, da esferográfica à máquina de lavar roupa.
Para combater a incerteza, a dúvida, só mesmo o conhecimento esclarecido e objetivo e a capacidade para ponderar e medir os riscos de cada opção.
Nos tempos que correm, depois de vários meses à espera de um medicamento ou vacina que controlasse o vírus Sars-cov-2, os países e as regiões que atingiram maior controlo do contágio concluíram que, a melhor opção, era voltar a uma “nova normalidade”, mantendo regras básicas, como o distanciamento e as medidas de higiene.
Aos poucos, as populações recuperam a vida, talvez, ainda, não convencidas da solução, porque há quem diga que só ficaremos bem, quando existir essa vacina.
No entanto, todos reconhecemos que há um tempo limite para medidas, tão restritivas, como “ficar em casa”. Era preciso, foi preciso! Mas agora é fundamental dar espaço, para que as famílias respirem, as crianças voltem a brincar, os idosos possam ver os filhos e os netos.
Não podemos ganhar medo aos outros, particularmente aqueles que, neste contexto difícil, respondem ao convite dos media e decidem visitar a região.
Se tomamos a decisão de retomar as atividades económicas, as idas à praia, o desporto e tantas outras dimensões da vida em comunidade, respeitando, é certo, novas regras de convivência, o importante, agora, é consolidar o comportamento adequado, em espaço público.
Temos de reaprender, mas não duvidar.
Podemos não ter a certeza absoluta, como aliás nunca temos em nada que seja do domínio da investigação científica, como é o caso do conhecimento sobre este vírus e a forma mais eficaz de o combater. Não há “antiveneno”, como acontece nas picadas de insetos ou de víboras.
Temos de recuperar a confiança e deixar os terrenos da incerteza.
Mas, ouvem-se vozes: “cada avião que chega traz dezenas de novos contágios potenciais!”. “Estamos a facilitar”, dizem ainda, “não tarda muito, estaremos numa segunda vaga e, de novo, fechados em casa!”.
Temos de alimentar a força anímica. Perante os indicadores de aumento, do desemprego, da pobreza, da violência doméstica, das doenças crónicas não controladas, do número de problemas de saúde mental, que marcaram o tempo da quarentena, não há outra hipótese, se não: colocar a máscara, lavar as mãos e voltar à rua, abrir as portas das empresas, recuperar clientes e reinventar negócios.
Mais do que voltar aos números do antes Covid19, temos de nos reencontrar connosco próprios e voltar a acreditar que, juntos, estamos a fazer a escolha certa. Difícil! Ninguém duvida, mas necessária.
Escolhemos retomar, porque precisamos viver!
Não podemos desistir da vida. Mas, se continuarmos a alimentar a incerteza, iremos matar o que nos resta de vontade e esperança.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental a 3 julho 2020)