O números não dizem tudo
Devemos à Fundação Francisco Manuel dos Santos uma importante fonte de informação estatística, a PORDATA, sobretudo, para quem é investigador ou estudante.
A publicação, recentemente divulgada, "Retrato dos Açores", reúne um conjunto significativo de gráficos, onde se comparam as ilhas e se olha no tempo a evolução de alguns dos principais indicadores da vida social e económica desta região.
Na apresentação da obra, foi destacada a percentagem de casamentos não católicos ou civis, que se registou nos Açores em 2017 (70%), quando comparada no tempo (em 1960 era de 6%) e com o todo nacional (66% em 2017).
Este é sem dúvida um número, aparentemente estranho para uma região que, no último Censos, registava 91,2 % de residentes com mais de 15 anos a assumirem-se católicos, quando a nível nacional esse valor era de 81%.
Para compreendermos a percentagem de casamentos "não católicos" nos Açores, há que observar este indicador nos últimos vinte anos.
Antes, relembremos que o registo estatístico dos "casamentos católicos" apenas se refere aqueles que se realizam ao abrigo da Concordata, ou seja, quando os nubentes abrem o processo no registo civil e, num prazo de três meses, concluem esse processo numa cerimónia católica (matrimónio) que depois é averbada no registo civil, alterando-se então o estado civil. De outro modo, o casamento "não católico" corresponde aquele que ocorre no registo civil e, de imediato, os nubentes passam à condição de casados.
Significa isso que, apesar de continuarem a ser celebrados muitos matrimónios na Diocese dos Açores, muitos dos casais, quando entram nas igrejas, já estão casados pelo civil, tendo sido contabilizados como casamentos "não católicos".
Este fenómeno começou a verificar-se na Região, a partir da década de oitenta, altura em que o número de casamentos civis aumentou bruscamente, muito acima da média nacional. Em 1995, 61,5% dos casamentos celebrados eram "não católicos", quando a nível nacional era apenas de 31,2%, e atingiu 81,5% das uniões em 2005. Desde então a percentagem de casamentos "não católicos" tem vindo a diminuir nos Açores, com 70% em 2017, valor próximo da média nacional (66%).
Como explicar este contraste entre uma região que se diz católica, mas que não concretiza, maioritariamente, o casamento católico ao abrigo da Concordata?
Várias são as causas possíveis, algumas já estudadas e publicadas em 2002 (Lalanda, Piedade, "Casar pelo civil ou na Igreja", Rev. Sociologia Problemas e Práticas, nº39, pp.69-84). Mas, em síntese, o que mais se verifica nos Açores é o "duplo casamento", primeiro civil e depois religioso. Apesar disso, há quem continue a marcar o início da vida conjugal após o ritual religioso, ao qual associam a boda.
O facto de, nos anos oitenta se ter privilegiado a soma das idades dos casais para aceder a benefícios fiscais e à habitação jovem, justificou muitos casamentos civis e tornou frequente o "duplo casamento".
Com este exemplo, podemos concluir que, os números não nos dizem tudo. É necessária uma compreensão sociológica da realidade para encontrarmos sentido nas estatísticas.
(texto publicado no Açoriano Oriental de 12 Junho 2018)