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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

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Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Envelhecer é viver

Envelhecer não é doença, é vida.

Talvez o verbo envelhecer assuste e crie alguma repulsa ou recusa, porque nele se esconde a palavra velhice.

Cada vez mais, a velhice acontece mais tarde e a forma como é vivida depende, acima de tudo, da forma como se envelhece. Diz-me como vives e envelheces e te direi como será a tua velhice.

Viver é sempre um ganho, porque significa amadurecer, aprender e saber. Quando não fazemos da vida uma contínua aprendizagem, estagnamos, congelamos, perdemos o sentido e as razões de viver.

Envelhecer é prosseguir, caminhar, enfrentando dificuldades, mas também, juntando essas pedras do caminho para com elas fazer um castelo.

O encontro nacional da Pastoral Social, que decorreu entre 16 e 18 de outubro em Fátima, teve por tema central – o Envelhecer, e procurou alertar, mais uma vez, para a necessidade de estarmos atentos às necessidades daqueles que caminham à nossa frente, mais velhos, mas também mais dependentes da ajuda de outros.

Mas, a dependência que os mais velhos sentem, não é doença, faz parte da condição humana. Ouve-se menos bem e fica-se dependente de um aparelho auditivo; anda-se com menos segurança e são necessárias bengalas ou andarilhos, eventualmente uma cadeira de rodas; perde-se força e capacidade motora e, em situações da vida diária, podemos ter necessidade de ajuda, nem que sejam umas barras para apoio no chuveiro ou um corrimão no corredor. Depender destes apoios não é doença, é inerente à etapa da vida em que o corpo se torna mais frágil. Mas será que somos apenas isso? Um corpo que envelhece, ganha cabelos brancos, rugas e fragilidades?

Envelhecer não é apenas um processo biológico. Na medida em que é sinónimo de viver, é a mesma pessoa quem envelhece, desde o nascimento até à morte. Somos únicos, cada um traçando a sua história de vida, da qual dependem muitos outros, os filhos, os netos, os vizinhos, quem ajudamos ou com quem partilhamos dificuldades e alegrias. E, nada dessa história se apaga, quando se atinge as idades maiores. A pessoa é a mesma e a dignidade também. A história continua a fazer-se, mesmo quando há necessidade de apoios, internamento hospitalar ou cuidados institucionais.

Infelizmente, há histórias de vida que perderam sentido porque os laços, que as prendiam aos outros, foram sendo cortados: um pai fica entregue ao hospital, porque não há condições para dele cuidar; uma avó, que toda a vida cuidou dos netos, agora autónomos, raramente recebe visitas ou contactos; uma tia. que não teve filhos e que sempre acolheu os sobrinhos, agora institucionalizada, é recordada, apenas, porque irá deixar-lhes a sua casa por herança.

Envelhecer é viver e hoje, felizmente, vive-se mais tempo, mas não nos esqueçamos que esse acréscimo de tempo, significa viver mais velhos. Vivem mais tempo as mulheres do que os homens, vivem menos tempo os açorianos do que a média dos portugueses. Porquê? Não será certamente por razões genéticas, mas porque, infelizmente, pagamos na velhice a fatura de uma vida, onde se desvalorizou a saúde, se correram riscos desnecessários e se adquiram doenças evitáveis.

Envelhecer é viver! Não é difícil se, todos os dias, ao acordar, tivermos um propósito, quando abrimos a janela e vemos o sol nascer no horizonte. Hoje, é mais um dia para eu envelhecer/viver com sentido.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 23 de outubro 2023)

Quantos somos?

Esta pergunta tem sido repetida nos últimos tempos, a propósito do Censos 2021, da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística (INE), que acontece de dez em dez anos.

Saber quantos somos, em que casas habitamos, qual o tamanho dos agregados familiares e conhecer a população residente, é fundamental, não só para os governos desenharem e implementarem políticas públicas, mas também para muitos e diversos estudos científicos, nomeadamente, na Demografia e Ciências Sociais.

Perguntar quantos somos é, por isso, muito importante. Mas, a resposta que se vai obter, deste grande inquérito nacional, pode não ser a que gostaríamos de ouvir, sobretudo, quando olhamos a evolução da população residente nos Açores.

Dados, entretanto publicados, mostram-nos tendências negativas em muitos indicadores. Por exemplo, em 2011, previa-se um decréscimo da população residente e, tudo indica que assim será. Porquê? Porque o número de nascimentos na Região tem diminuído de forma significativa e, sobretudo, a relação entre nascimentos e mortes, passou a ser negativa, o que não acontecia em 2011. O Serviço Regional de Estatística, no seu Boletim trimestral de 2021, dá conta que o saldo natural foi sempre negativo durante os meses do ano de 2020 e já o era antes, em 2019. No total, morreram mais açorianos do que aqueles que nasceram nas ilhas e, com números de fevereiro  de 2021, registaram-se 219 mortes e apenas 149 nascimentos.

Somos uma região com menos jovens e cada vez mais envelhecida, particularmente em algumas ilhas onde a taxa de natalidade é extremamente baixa, por falta de casais jovens.

Desde 2015, que a região Açores regista uma taxa de fecundidade abaixo da média nacional, ou seja, a breve trecho, faltarão jovens para garantir a substituição dos velhos. E esta não é uma alteração qualquer. Estamos a falar de garantir a ocupação das vagas nas escolas, o desenvolvimento económico e a inovação tecnológica, a prestação de serviços e, sobretudo, a dinâmica de algumas ilhas onde esse envelhecimento é superior à média regional.  

Quantos somos? Onde estamos?

Em parte, conhecemos a resposta a estas perguntas do INE, porque a Região está mais envelhecida, regista mais divórcios do que casamentos, mais mortes do que nascimentos. Nestes últimos dois anos, com a Covid 19, acenderam-se todas as luzes de alerta. Assistimos ao agravamento da diminuição dos nascimentos e ao aumento do número de mortes, não relacionadas com a pandemia.

Não podemos ficar indiferentes!

A Região Autónoma dos Açores não pode continuar a perder ativos, por exemplo, para a emigração europeia. Há que fixar jovens, valorizar o emprego qualificado, a inovação e não ter receio em apostar na excelência, nos serviços, na indústria ou no setor primário. A agricultura e a pesca devem ser vistas como áreas potenciais para um emprego qualificado, desde os trabalhos mais simples aos mais complexos, da produção à transformação.

Também não podemos esquecer as políticas para a imigração. A presença de imigrantes contribui para a atividade económica regional e pode favorecer a demografia das nossas ilhas.

Quantos somos?

Infelizmente, cada vez menos, uma realidade que podemos inverter, cuidando dos que aqui residem e criando condições para que, a paixão pelos Açores enraíze os jovens, que querem contribuir para o seu desenvolvimento.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 25 maio 2021)

 

Duas vezes somos crianças

Nada mais errado do que dizer, "duas vezes somos crianças".

Com base nesta ideia, não se reconhecem capacidades na fase mais avançada da vida e ocupam-se as pessoas mais velhas com atividades de criança: colorir desenhos, recortar formas ou, simplesmente, ficam esquecidas/adormecidas diante de um televisor ligado.

A velhice não é uma segunda infância. É um tempo onde o envelhecimento se manifesta de forma mais evidente, nas perdas auditivas, visuais ou de mobilidade. Mas, nenhuma dessas alterações compromete as memórias, a vontade de viver ou a capacidade cognitiva ou artística.

Cada vez há mais pessoas que chegam a idades mais avançadas. E se pensarmos no futuro, a população portuguesa será ainda mais grisalha, a fazer fé nos números da natalidade e no aumento da esperança média de vida. Chegar aos setenta ou aos oitenta deixou de ser uma "sorte", para passar a desígnio de muitos. Por isso, as instituições, os serviços, que cuidam e atendem pessoas mais velhas, precisam de "reciclar" o conceito de velhice e o modo como, muitas vezes, atendem as pessoas mais velhas.

Parece anedota, mas acontece ouvir um empregado num comércio falar mais devagar com um idoso, como se ele não entendesse português ou tivesse dificuldade em acompanhar um discurso normal. Em outras ocasiões, aumenta-se deliberadamente o tom de voz, pressupondo que, se alguém tem mais de 65 anos, já deve ser surdo, esquecendo que muitas dessas pessoas utilizam aparelhos auditivos.

A velhice é cada vez menos um tempo para ser desperdiçado ou mal utilizado. Afinal, se a esperança média de vida, atual, prevê mais 15 anos após a idade da reforma, então há muito tempo para ocupar em novas experiências, manter-se autónomo e realizar sonhos, tantas vezes adiados.

Os idosos gostam de ser a retaguarda dos filhos, quando cuidam dos netos. Mas há que respeitar os seus tempos, as atividades que lhes dão prazer, e não comprometer essa "agenda" com demasiadas obrigações. Afinal, os anos passam a correr e pode acontecer que os últimos até não sejam os melhores, em termos de saúde. Por isso, é importante concretizar projetos, quando ainda se sente forças, vontade e se tem os recursos adequados para tal.

Fazer projetos? Dirão alguns, é coisa de jovens, de quem, supostamente, tem a vida toda pela frente. Não é verdade.

Um projeto não precisa de ser de grande monta; acabar aquela toalha bordada ou organizar a coleção de selos; ler os livros que ficaram na estante ou limpar os canteiros do jardim. Tudo pode ser um projeto. Fazer uma caminhada ou nadar trinta minutos, visitar um amigo ou ir ao cabeleireiro.

A vida só faz sentido quando vivemos cada momento, com significado.

Os mais velhos não perderam esse sentido, antes pelo contrário. Agora que percorrem a última etapa da vida, olham para o caminho com serenidade, recolhem a sabedoria acumulada e, só não a partilham, quando são tratados como crianças ou excluídos das decisões coletivas, supostamente, porque não lhes interessa a atualidade.

Mesmo que voltem às papas, por faltarem os dentes; às fraldas, por estarem incontinentes ou às letras aumentadas, porque a vista não ajuda, nada disso define a velhice.

Apenas o tempo, o saber e o percurso vivido importa.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental a 30 outubro 2018)

Envelhecer não é doença

O século vinte marcou definitivamente as condições de vida de muitas populações, particularmente nos países do mundo dito ocidental.

Os avanços da medicina, a introdução do saneamento básico, o abastecimento de água e a rede eléctrica contribuíram para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. As novas tecnologias da saúde, os meios auxiliares de diagnóstico, entre muitas outras inovações médicas, contribuem para debelar enfermidades que outrora condenavam à morte.

Se recuar à década sessenta do século XX, quando nasci, a esperança média de vida ao nascer rondava os setenta anos, menos dez do que é hoje.

Nessa época, a idade da reforma correspondia não apenas ao fim da vida activa mas a uma real perda de capacidade física. Hoje, a média da esperança de vida ronda os oitenta anos, daí que se fale de uma nova etapa no ciclo vital, a quarta idade, que abrange a geração com mais de 75 anos.

Vivemos mais tempo e queremos, todos, viver melhor. Não basta acrescentar anos à vida, é preciso dar vida aos anos que se vive.

Um prazo limite? Teremos sempre, porque nascemos marcados por esse selo que é a finitude da espécie, razão de ser da própria vida. Somos um projecto limitado, mas infinita pode ser a forma como vivemos esse tempo, o contributo que damos, qual tijolo que colocamos na construção do mundo, no local onde vivemos. Não importa se o nosso contributo é mais ou menos notado pelos que nos sucederão. Também os alicerces de uma casa não se vêem e, sem eles, a construção ruiria. O importante é contribuir, participar, apoiar, estar atento para poder elogiar mas também criticar. É estar presente e ser presente neste fluxo de tempo que faz a história.

Ter mais tempo de vida tem levado as sociedades actuais a olharem de modo diferente para os idosos. Há muito deixaram de ser velhos. São cidadãos seniores que as gerações mais novas aprendem a reconhecer, descobrindo que em todas as idades há alegria de viver. Afinal há muito mais vida para além do trabalho remunerado, do emprego, ou mesmo da vida familiar. Ter hoje mais de sessenta anos é usufruir de um tempo que pode ser criativo, onde reine a serenidade, novas aprendizagens, convívios e em que se pode viver liberto de constrangimentos e obrigações.

É certo que a velhice nem sempre é um tempo em que se respira saúde.

Mas, se por um lado, o corpo físico dá sinais de limitação, a resistência é menor e a caixa de comprimidos não pode ser esquecida, também não é menos certo que se envelhece melhor ou pior, dependendo do espírito e da atitude com que se encaram as dificuldades da vida. Sempre que um idoso desiste de sair de casa, recusa-se a frequentar lugares de convívio, perde o hábito de ler, telefonar aos amigos ou conversar com os netos, envelhece um pouco mais e torna mais pesados os anos que tem.

Envelhecer não é doença, mas um desafio diário, próprio da condição humana.

Envelhecer não é fatalidade mas condição, não é defeito mas feitio de quem está vivo e acredita que há sempre motivos para não desistir de aprender, experimentar e descobrir esse mistério que é viver!

(publicado no Açoriano Oriental de 5 de Julho 2010)

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