Envelhecer é viver
Envelhecer não é doença, é vida.
Talvez o verbo envelhecer assuste e crie alguma repulsa ou recusa, porque nele se esconde a palavra velhice.
Cada vez mais, a velhice acontece mais tarde e a forma como é vivida depende, acima de tudo, da forma como se envelhece. Diz-me como vives e envelheces e te direi como será a tua velhice.
Viver é sempre um ganho, porque significa amadurecer, aprender e saber. Quando não fazemos da vida uma contínua aprendizagem, estagnamos, congelamos, perdemos o sentido e as razões de viver.
Envelhecer é prosseguir, caminhar, enfrentando dificuldades, mas também, juntando essas pedras do caminho para com elas fazer um castelo.
O encontro nacional da Pastoral Social, que decorreu entre 16 e 18 de outubro em Fátima, teve por tema central – o Envelhecer, e procurou alertar, mais uma vez, para a necessidade de estarmos atentos às necessidades daqueles que caminham à nossa frente, mais velhos, mas também mais dependentes da ajuda de outros.
Mas, a dependência que os mais velhos sentem, não é doença, faz parte da condição humana. Ouve-se menos bem e fica-se dependente de um aparelho auditivo; anda-se com menos segurança e são necessárias bengalas ou andarilhos, eventualmente uma cadeira de rodas; perde-se força e capacidade motora e, em situações da vida diária, podemos ter necessidade de ajuda, nem que sejam umas barras para apoio no chuveiro ou um corrimão no corredor. Depender destes apoios não é doença, é inerente à etapa da vida em que o corpo se torna mais frágil. Mas será que somos apenas isso? Um corpo que envelhece, ganha cabelos brancos, rugas e fragilidades?
Envelhecer não é apenas um processo biológico. Na medida em que é sinónimo de viver, é a mesma pessoa quem envelhece, desde o nascimento até à morte. Somos únicos, cada um traçando a sua história de vida, da qual dependem muitos outros, os filhos, os netos, os vizinhos, quem ajudamos ou com quem partilhamos dificuldades e alegrias. E, nada dessa história se apaga, quando se atinge as idades maiores. A pessoa é a mesma e a dignidade também. A história continua a fazer-se, mesmo quando há necessidade de apoios, internamento hospitalar ou cuidados institucionais.
Infelizmente, há histórias de vida que perderam sentido porque os laços, que as prendiam aos outros, foram sendo cortados: um pai fica entregue ao hospital, porque não há condições para dele cuidar; uma avó, que toda a vida cuidou dos netos, agora autónomos, raramente recebe visitas ou contactos; uma tia. que não teve filhos e que sempre acolheu os sobrinhos, agora institucionalizada, é recordada, apenas, porque irá deixar-lhes a sua casa por herança.
Envelhecer é viver e hoje, felizmente, vive-se mais tempo, mas não nos esqueçamos que esse acréscimo de tempo, significa viver mais velhos. Vivem mais tempo as mulheres do que os homens, vivem menos tempo os açorianos do que a média dos portugueses. Porquê? Não será certamente por razões genéticas, mas porque, infelizmente, pagamos na velhice a fatura de uma vida, onde se desvalorizou a saúde, se correram riscos desnecessários e se adquiram doenças evitáveis.
Envelhecer é viver! Não é difícil se, todos os dias, ao acordar, tivermos um propósito, quando abrimos a janela e vemos o sol nascer no horizonte. Hoje, é mais um dia para eu envelhecer/viver com sentido.
(texto publicado no jornal Açoriano Oriental de 23 de outubro 2023)