Nunca baixar os braços
Eu hei-de conseguir! Não vou pedir ajuda, eu vou conseguir, reafirmava uma mãe sozinha, vivendo apenas com o salário mínimo de empregada doméstica e três filhos pequenos para criar.
A vida não lhe sorriu. Um dia, quando os filhos tinham todos menos de seis anos, o marido decidiu que talvez na América encontrasse uma vida melhor. Os pais haviam emigrado nos anos setenta e quase todos os seus irmãos viviam nos Estados Unidos. Talvez valesse a pena tentar a sorte!
A mulher receou mas aceitou ficar à espera de melhores dias.
Mas a sorte foi outra. Passado pouco tempo, deixou de receber notícias. O ganho que, supostamente, viria do outro lado do mar, foi apenas cem dólares que o marido enviou no primeiro mês. Depois, veio a falta de notícias e o abandono.
Confrontada com as despesas da casa, não desistiu de dar o melhor possível aos filhos. Se não havia dinheiro para os transportes, iriam a pé para a escola, mas faltar é que nem pensar. Sempre acreditou que o futuro seria melhor para eles, se conseguissem vencer a barreira do analfabetismo e da iliteracia que, infelizmente, marcou a geração dos avós e que ela própria acabou por sentir. Os pais não a deixaram estudar para além do 6º ano.
Viver com um salário mínimo, alimentar e educar três filhos pequenos não é fácil, quase parece impossível. Mas a coragem nunca lhe faltou.
Numa das visitas ao centro de saúde, a enfermeira falou-lhe do rendimento social de inserção. Porque não se candidata? Na sua situação tenho a certeza de que a vão poder ajudar. Sempre alivia o sufoco de pagar a água, a luz e as despesas básicas da casa.
Seria bom, respondeu, mas o que vão dizer as vizinhas?
Não quero ser tida por preguiçosa, malandra ou desmazelada. Eu sei cuidar dos meus filhos e faço tudo para que tenham uma vida digna. Não quero que lhes apontem o dedo na escola, por serem beneficiários do RSI. Isso nunca! Não quero ser dependente de nenhum apoio social, mesmo reconhecendo que preciso de ajuda.
Vivo com muito pouco e gostaria de poder dar melhores condições aos meus filhos, que merecem viver com dignidade e ter as mesmas oportunidades que os outros. Mas, se alguém me ajudar, não poderei dar em troca se não a certeza de que irei utilizar correctamente essa ajuda.
Trabalho durante o dia, cuido dos meus filhos à noite e limpo a casa até de madrugada. Deus sabe como luto para ter tudo em condições. Se, para ter um apoio do Estado, tenho de abandonar os meus filhos para prestar um qualquer outro serviço, sei que o não poderia fazer. Eles são pequeninos e precisam de mim, já que o pai os abandonou sem se preocupar.
Até posso requerer o rendimento social de inserção mas, não me peçam para deixar de viver com dignidade, de cabeça erguida. Quero poder ensinar os meus filhos a não terem vergonha de quem são.
A pobreza não envergonha. O que destrói as pessoas e as faz ter vergonha da sua condição é a desconfiança, o desprezo e a maledicência dos outros. É ser considerado um eterno devedor, culpado e rotulado por beneficiar de apoios.
Se, por ventura, me ajudarem, só posso assumir um compromisso, é que nunca baixarei os braços.
(publicado no Açoriano Oriental de 14 Junho 2010)