Sozinho na multidão
Aquele homem passeia na cidade, como se tivesse um objetivo diário, um lugar onde chegar, alguém à espera. Mas, na verdade, continua sozinho, ninguém lhe diz bom dia ou convida para um café.
Sozinho, no meio das pessoas, a solidão aperta.
Viver só pesa, quando faltam os laços de apoio, os abraços de afeto, as ajudas solidárias e a certeza de ter alguém a quem chamar, quando é necessário.
Mas, viver só pode ser uma escolha.
Há cada vez mais jovens, entre os 30 e os 40 anos que opta por viver sozinho, investindo na carreira e numa vida afetiva não comprometida. Muitos outros, mais velhos, encontraram numa vida solitária, afastados do ruído da cidade ou do convívio intenso, as condições necessárias para a sua produção artística ou literária.
Há por isso uma diferença entre estar só, sentir-se só ou viver sozinho.
Apesar de em todos os casos haver menos contacto com outros, o certo é que a solidão só pesa, quando se perde o reconhecimento dos outros e se deixa de sentir o afeto de uma rede de amigos, vizinhos e, sobretudo, dos familiares.
Em geral, esta situação pesa mais com o avançar da idade. Vão desparecendo os amigos de infância, perdem-se os companheiros de uma vida e os filhos ou netos vivem longe, embrenhados nas suas vidas ativas. E estas ausências geram mais do que saudade, são um enorme vazio que retira eco às paredes da casa, cala o telefone e torna a caixa do correio um objeto sem utilização.
Para alguns, restam os amigos das redes sociais. Mas, nestes casos, são todos simpáticos, não há contraditório e nem chegam a incomodar. Quando isso acontece, é só apagar, clicar numa tecla e acaba-se a conversa ou a troca de mensagens.
Os amigos, os convivas, que podem quebrar a solidão, nem sempre são simpáticos ou concordam connosco. Mas isso é sinal que estamos vivos. Amor, amizade e tristeza são ingredientes da vida. Querer evitar algum, é enterrar-se numa vida sem cor, nem som.
Podemos passar sem ter a casa cheia, mas iremos sempre ter falta de contacto, conversa, troca de ideias e sentimentos; precisamos de chorar com a dor do outro e rir das suas alegrias, festejar os sucessos e, por ventura, rezar para que ultrapasse as suas dificuldades. Mas, para estarmos em sintonia com o mundo, temos de o sentir.
Nem que seja fazendo festas ao gato, que se enrola nas pernas quando caminhamos, ou olhando o pássaro que nos saúda do cimo da árvore.
Para "enganar" ou "entreter" a solidão temos de sair do isolamento emocional, onde por vezes nos refugiamos por achar que o mundo é pouco interessante, as pessoas mudaram, os jovens de hoje são incompreensíveis ou "está tudo perdido!".
A solidão não afeta apenas os mais velhos, é um sentimento transversal que se cola à pele quando, voluntária ou involuntariamente, perdemos o contacto com o mundo e ficamos presos à imagem que o nosso "eu" reflete no espelho ou nos amigos das redes sociais. Pura ilusão!
Afinal, só conseguimos evitar o peso da solidão, quando saímos da rotina, nem que seja lendo um livro; convivemos e fazemos novas amizades; sentimo-nos úteis aos outros, sejam filhos, netos ou quem de nós precisa.
Não há melhor antídoto para a solidão do que estarmos juntos e podermos partilhar um abraço, dois beijos e uma boa gargalhada.
(texto publicado no dia 1 de outubro 2019 no jornal Açoriano Oriental)