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SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

SentirAilha

Viva! Este é um espaço de encontro, interconhecimento e partilha. Sentir a ilha que cada um é, no mar de liberdade que todos une e separa... Piedade Lalanda

Sozinho na multidão

Aquele homem passeia na cidade, como se tivesse um objetivo diário, um lugar onde chegar, alguém à espera. Mas, na verdade, continua sozinho, ninguém lhe diz bom dia ou convida para um café.

Sozinho, no meio das pessoas, a solidão aperta.

Viver só pesa, quando faltam os laços de apoio, os abraços de afeto, as ajudas solidárias e a certeza de ter alguém a quem chamar, quando é necessário.

Mas, viver só pode ser uma escolha.

Há cada vez mais jovens, entre os 30 e os 40 anos que opta por viver sozinho, investindo na carreira e numa vida afetiva não comprometida. Muitos outros, mais velhos, encontraram numa vida solitária, afastados do ruído da cidade ou do convívio intenso, as condições necessárias para a sua produção artística ou literária.

Há por isso uma diferença entre estar só, sentir-se só ou viver sozinho.

Apesar de em todos os casos haver menos contacto com outros, o certo é que a solidão só pesa, quando se perde o reconhecimento dos outros e se deixa de sentir o afeto de uma rede de amigos, vizinhos e, sobretudo, dos familiares.

Em geral, esta situação pesa mais com o avançar da idade. Vão desparecendo os amigos de infância, perdem-se os companheiros de uma vida e os filhos ou netos vivem longe, embrenhados nas suas vidas ativas. E estas ausências geram mais do que saudade, são um enorme vazio que retira eco às paredes da casa, cala o telefone e torna a caixa do correio um objeto sem utilização.

Para alguns, restam os amigos das redes sociais. Mas, nestes casos, são todos simpáticos, não há contraditório e nem chegam a incomodar. Quando isso acontece, é só apagar, clicar numa tecla e acaba-se a conversa ou a troca de mensagens.

Os amigos, os convivas, que podem quebrar a solidão, nem sempre são simpáticos ou concordam connosco. Mas isso é sinal que estamos vivos. Amor, amizade e tristeza são ingredientes da vida. Querer evitar algum, é enterrar-se numa vida sem cor, nem som.

Podemos passar sem ter a casa cheia, mas iremos sempre ter falta de contacto, conversa, troca de ideias e sentimentos; precisamos de chorar com a dor do outro e rir das suas alegrias, festejar os sucessos e, por ventura, rezar para que ultrapasse as suas dificuldades. Mas, para estarmos em sintonia com o mundo, temos de o sentir.

Nem que seja fazendo festas ao gato, que se enrola nas pernas quando caminhamos, ou olhando o pássaro que nos saúda do cimo da árvore.

Para "enganar" ou "entreter" a solidão temos de sair do isolamento emocional, onde por vezes nos refugiamos por achar que o mundo é pouco interessante, as pessoas mudaram, os jovens de hoje são incompreensíveis ou "está tudo perdido!".

A solidão não afeta apenas os mais velhos, é um sentimento transversal que se cola à pele quando, voluntária ou involuntariamente, perdemos o contacto com o mundo e ficamos presos à imagem que o nosso "eu" reflete no espelho ou nos amigos das redes sociais. Pura ilusão!

Afinal, só conseguimos evitar o peso da solidão, quando saímos da rotina, nem que seja lendo um livro; convivemos e fazemos novas amizades; sentimo-nos úteis aos outros, sejam filhos, netos ou quem de nós precisa.

Não há melhor antídoto para a solidão do que estarmos juntos e podermos partilhar um abraço, dois beijos e uma boa gargalhada.

(texto publicado no dia 1 de outubro 2019 no jornal Açoriano Oriental)

 

Duas vezes somos crianças

Nada mais errado do que dizer, "duas vezes somos crianças".

Com base nesta ideia, não se reconhecem capacidades na fase mais avançada da vida e ocupam-se as pessoas mais velhas com atividades de criança: colorir desenhos, recortar formas ou, simplesmente, ficam esquecidas/adormecidas diante de um televisor ligado.

A velhice não é uma segunda infância. É um tempo onde o envelhecimento se manifesta de forma mais evidente, nas perdas auditivas, visuais ou de mobilidade. Mas, nenhuma dessas alterações compromete as memórias, a vontade de viver ou a capacidade cognitiva ou artística.

Cada vez há mais pessoas que chegam a idades mais avançadas. E se pensarmos no futuro, a população portuguesa será ainda mais grisalha, a fazer fé nos números da natalidade e no aumento da esperança média de vida. Chegar aos setenta ou aos oitenta deixou de ser uma "sorte", para passar a desígnio de muitos. Por isso, as instituições, os serviços, que cuidam e atendem pessoas mais velhas, precisam de "reciclar" o conceito de velhice e o modo como, muitas vezes, atendem as pessoas mais velhas.

Parece anedota, mas acontece ouvir um empregado num comércio falar mais devagar com um idoso, como se ele não entendesse português ou tivesse dificuldade em acompanhar um discurso normal. Em outras ocasiões, aumenta-se deliberadamente o tom de voz, pressupondo que, se alguém tem mais de 65 anos, já deve ser surdo, esquecendo que muitas dessas pessoas utilizam aparelhos auditivos.

A velhice é cada vez menos um tempo para ser desperdiçado ou mal utilizado. Afinal, se a esperança média de vida, atual, prevê mais 15 anos após a idade da reforma, então há muito tempo para ocupar em novas experiências, manter-se autónomo e realizar sonhos, tantas vezes adiados.

Os idosos gostam de ser a retaguarda dos filhos, quando cuidam dos netos. Mas há que respeitar os seus tempos, as atividades que lhes dão prazer, e não comprometer essa "agenda" com demasiadas obrigações. Afinal, os anos passam a correr e pode acontecer que os últimos até não sejam os melhores, em termos de saúde. Por isso, é importante concretizar projetos, quando ainda se sente forças, vontade e se tem os recursos adequados para tal.

Fazer projetos? Dirão alguns, é coisa de jovens, de quem, supostamente, tem a vida toda pela frente. Não é verdade.

Um projeto não precisa de ser de grande monta; acabar aquela toalha bordada ou organizar a coleção de selos; ler os livros que ficaram na estante ou limpar os canteiros do jardim. Tudo pode ser um projeto. Fazer uma caminhada ou nadar trinta minutos, visitar um amigo ou ir ao cabeleireiro.

A vida só faz sentido quando vivemos cada momento, com significado.

Os mais velhos não perderam esse sentido, antes pelo contrário. Agora que percorrem a última etapa da vida, olham para o caminho com serenidade, recolhem a sabedoria acumulada e, só não a partilham, quando são tratados como crianças ou excluídos das decisões coletivas, supostamente, porque não lhes interessa a atualidade.

Mesmo que voltem às papas, por faltarem os dentes; às fraldas, por estarem incontinentes ou às letras aumentadas, porque a vista não ajuda, nada disso define a velhice.

Apenas o tempo, o saber e o percurso vivido importa.

(texto publicado no jornal Açoriano Oriental a 30 outubro 2018)

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